Boas-vindas!

Bem-vindos ao blog PROJETO POETAS LATINOS!


Criado por nossa firma, Cyclicus Editorial, o PROJETO tem como objetivo inicial publicar, em volumes uniformes, as obras completas que nos chegaram dos poetas do período de maior efervescência da literatura latina clássica, isto é, os séculos I a.C. e I d.C., de Lucrécio a Juvenal. Dentro desse objetivo, lançamos o blog homônimo para podermos divulgar o PROJETO e manter o leitor a par das novidades.


Se é lícito defender o ineditismo e a relevância de nosso empreendimento, observaremos apenas que jamais algo parecido foi tentado na história editorial brasileira. Já se fizeram anteriormente, como todos sabemos, várias traduções de certos autores ou de obras específicas, em prosa ou em versos, seguindo os mais diversos critérios. No entanto, jamais testemunhamos uma iniciativa que colocasse todos esses nomes clássicos de uma das matrizes vitais de nossa cultura, e todo o seu espólio restante, ao alcance do leitor brasileiro, reunindo-os em uma coleção uniforme, com texto bilíngue, e empregando critérios definidos de tradução capazes de manter a fluência, a dinâmica e a expressividade métrico-rítmica dos versos originais.


Desde já, agradecemos a todos pelo interesse e apoio.


Acácio Luiz Santos.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Lucrécio: pequena antologia (2)



Nesta segunda antologia de Lucrécio, apresentamos nossa tradução de passagens em que ele descreve cenas da natureza, sob vários matizes. No primeiro trecho (I,271-297), para demonstrar que os ventos, embora invisíveis, são tão possuidores de matéria quanto os rios, ele descreve a ambos em sua faceta destruidora. Em seguida, repostamos um trecho (II,24-39), acrescentando-lhe um verso, em que Lucrécio valoriza as coisas simples da vida, enfatizando que se pode ser feliz sem grandes luxos ou exuberâncias, e que riquezas, poderes e honrarias jamais, por si sós, afastam de nós todos os males. Em (II,342-370), para provar que nenhum exemplar, de nenhuma espécie, é absolutamente igual aos demais (senão seriam incapazes de se reconhecer uns aos outros), Lucrécio descreve o triste caso da ovelha que teve seu filhote sacrificado aos deuses, percorre angustiada os arredores em busca dele e, mesmo tendo retornado para os de sua espécie, não se conforta, pois nenhum deles é seu filho amado. No trecho seguinte (V,195-234), para demonstrar que o nosso mundo não foi criado pelos deuses, Lucrécio nos dá uma de suas mais pessimistas descrições da natureza, enfatizando-a como um ambiente hostil a nós e, além disso, destinado à destruição, ou seja: o mundo é uma obra cheia de defeitos, indigno, portanto, de ter sido criado por seres perfeitos. Em V,1392-1411, Lucrécio se abre à modulação nostálgica, dos tempos de uma vida mais calma, na tranquilidade do campo, e da alegria encontrada nos prazeres mais simples; note-se como Lucrécio adapta habilmente, logo no início, cinco versos do segundo trecho, uma técnica habitual que ele emprega na composição do poema. Finalmente, Lucrécio capta o horror e assombro dos homens diante das grandes catástofres: do céu, do mar e da terra (V,1218-1240); temerosos e ignorantes das causas dos fenômenos, fantasiam deuses terríveis que os engendram, e cedem, a partir daí, ao obscurantismo supersticioso.

Acácio Luiz Santos.

I,271-297. Dos corpos primeiros ocultos (trecho)

Inicialmente, a força impetuosa do vento golpeia
e afunda imensos navios, e nuvens espessas dissipa,
e corre através das campinas com rápido e bruto tornado,
e árvores crassas espalha por sobre as altas montanhas:
toda a floresta devasta a rajadas; assim se enraivece 275
e, em frêmito ameaçador, novamente insurge as vagas.
Logo, sem dúvida existem invisíveis corpos de vento,
que, aos mares, e às terras, e às nuvens espessas do céu,
varrem e subitamente arrastam com o bruto tornado,
e a outras, sem ordem arrostam e outros massacres propagam. 280
E a natureza tranquila da água de súbito muda:
com abundante corrente, que os pingos espessos da chuva
fazem aumentar, das mais altas montanhas um jorro violento
deixa em fragmentos as árvores todas da inerme floresta.
Nem mesmo as sólidas pontes conseguem das águas a força 285
súbita aguentar. E então, turvo da imensa borrasca,
o rio, enfim, com avassaladora violência, transborda
e, com terrível estrondo revolto, promove um massacre:
rochas destrói e arrasta o que se opuser a seu fluxo.
Tenham-se em conta também as rajadas do vento ― arrojadas 290
como um rio possante ―, que, quando projetam a sua força
a toda parte, trespassam as coisas à frente e as destroem
com repetidos ataques, e às vezes num vórtice torto
as firmam e, rápidas, levam-nas em revolvente tornado.
Logo, ora e agora, existem de vento invisíveis corpos, 295
visto que, em fatos e modos, análogos se apresentam
aos grandes rios, que se caracterizam por corpo visível.



II,24-39. Da verdadeira felicidade (trecho)

Se áureas imagens de impúberes não existem nas casas,
lâmpadas a segurar, ignescentes, nas mãos direitas, 25
por que forneçam as luzes nos ricos banquetes noturnos;
e não reluz de ouro a casa, nem brilha de prata tão-pouco;
e à cítara eco não fazem os áureos painéis laqueados ―
nesta ocasião, os moradores prostrados na grama macia,
junto às águas de um rio, à fronde das árvores altas, 30
não com abundantes recursos restauram alegres os corpos,
quando o tempo sorri e especialmente do ano
as estações aos gramados de flores viçosas matizam.
E as febres ardentes mais rápido não se despedem do corpo,
quer sobre estampas tecidas e manto escarlate-purpúreo 35
jazas, quer sobre um vulgar cobertor, em estertores, te estendas.
Ao nosso corpo, portanto, os mais caros tesouros em nada
o beneficiam, tão-pouco a nobreza ou a glória da corte
(como já visto, isso, ao ânimo, estima-se inútil também);
(..)



II,342-370. Da diversidade nas espécies

Quanto e enquanto, o gênero humano, e os ’scamosos nadantes
mudos, e os animais ferozes, e o gaio rebanho,
e os vários pássaros, que a usufruir os lugares de águas
vivem, ao redor de lagoas, e fontes, e bancos de areia, 345
e aqueles que, sobrevoando-os, percorrem os bosques selvagens ―
toma um qualquer deles e o confronta com os de sua espécie:
notá-los-ás divergir de figuras entre eles decerto.
Não por um outro motivo seria possível que a prole
reconhecesse a mãe, e esta àquela ― que sempre o fazem ―, 350
nem mesmo, então, os homens familiares se conheceriam.
Amiúde, em frente aos suntuosos santuários dos deuses descai,
junto aos altares turíbulos, sacrificado, um vitelo,
um jato de cálido sangue expirando profuso do peito.
Mas ― ai! ― a mãe despojada, vagando por verdes relvados, 355
nota no solo as marcas fendidas de pés nele impressas,
esquadrinhando aflita os lugares, que algures consiga
a prole perdida rever, e, estancando, de queixas preenche
o bosque frondífero e, outra e outra vez, o covil revisita,
irredutível no seu desejo de, ao filho, revê-lo; 360
mas nem os tenros salgueiros, nem as ervas de orvalho regadas,
nem mesmo os córregos a respingar pelas margens conseguem
o ânimo seu confortar e afastar a sua súbita angústia,
nem outras aparições de vitelos do ledo rebanho
podem distrair o seu ânimo e dos tormentos livrá-la, 365
que, por seu turno, algo tão estimado e próprio procura.
De mas a mais, aos tenros noviços de trêmulas vozes
suas cornígeras mães distinguem, e os cordeiros lactantes,
pelos balidos, às mães; e, conforme a natura o dispõe,
cada um às suas, as tetas maternas de leite procuram. 370



V,195-234. Da natureza eivada de defeitos

Mesmo que eu todavia ignorasse os princípios das coisas, 195
eu, não obstante, ousaria, pelas próprias regras celestes,
asseverar e mostrar, através de outras muitas causas,
que para nós, por decreto divino, não foi preparada
a natureza das coisas, de tantos defeitos provida!
Primeiramente, de tudo o que o céu impetuoso alcança, 200
ũa ávida parte os montes e selvas de feras severas
tomam; e outra, penedos e pântanos vastos ocupam;
e o mar, que tão longe separa as orlas das terras, outra ainda;
e uns dois terços de tudo isso, o férvido ardor calcinante
e a assídua geada cadente os subtraem aos mortais. 205
Quanto ao que resta ao cultivo, a natura seu rastro escond’ria
sob as campinas, se a força humana não lhe resistisse
e, por viver, não se houvesse, com a enxada bidente, habituado
sempre a gemer e, com o arado, riscar toda a terra a fundo.
Se, revolvendo com o relho as glebas fecundas e ao solo 210
sempre domando, não estimulássemos safras das terras,
nada espontaneamente viria aos límpidos ares.
Quando, assim mesmo, o que fôra obtido com imenso trabalho
todo frondeia e floresce afinal pelas terras cuidadas ―
ou o abrasa o etéreo sol com excessivos calores, 215
ou o arruínam as súbitas chuvas e as frias geadas,
ou o devastam os flagelos dos ventos com fúria violenta.
Ais a mais, a ― das feras ― horrífera raça, à espécie
humana hostis: por que a natureza por terras e mares
as alimenta e acrescenta? e por que as estações trazem sempre 220
doenças? por que a prematura extinção tudo invade vagueante?
Ais a mais, a criança, qual nauta atirado por sevas
ondas, jaz nua no solo, sem fala, carente de todo
auxílio vital, tão logo às lúcidas orlas a lança,
desde o ventre materno afora, a natura com esforço, 225
e enche de lúgubre pranto o local, como é razoável
para quem deve ainda passar tantos males na vida.
Crescem, porém, animais vários ― gados e hordas de feras ―
sem o emprego de guizos, nem que se dirija a elas,
de amas afáveis, a branda e balbuciante palavra; 230
nem pedem vestes variadas conforme a estação do ano;
e, afinal, não precisam de armas, nem de altas muralhas
para guardar seus pertences, que tudo a todos o solo
e a própria natura nutriz oferecem em grande fartura.



V,1392-1411. Dos prazeres antigos (trecho)

Frequentemente então, prostrados na grama macia
junto às águas de um rio, à fronde das árvores altas,
não com abundantes recursos praziam alegres os corpos,
quando o tempo sorria e especialmente do ano 1395
as estações aos gramados de flores viçosas pintavam.
Nesse momento, aos folguedos, conversas e doces gracejos
soíam entregar-se: outrora era a musa agreste egrégia.
E um liberto deleite os movia a ornar a cabeça
e os ombros com belas guirlandas de folhas e flores repletas, 1400
e avançar com discordes passadas, movendo os membros
com atenção e tensão enquanto o pé intenso batia a mãe terra ―
isso ocasionava os risos e doces gracejos,
pois coisas novas e maravilhosas gozavam de estima.
E os vigilantes consolo ao sono of’reciam, levando 1405
vozes multimodulantes e cantos em tons alternados
e percorrendo os canudos da flauta com lábio recurvo.
E hoje ainda mantêm tais preceitos os vigilantes,
e aprenderam a observar as espécies de ritmo; no entanto,
o fruto não colhem mais doce do que aquel’ outro que outrora 1410
a estirpe silvestre dos filhos da terra colher costumava.



V,1218-1240. Do temor religioso (trecho)

E que ânimo não se contrai de temor, de ais e mais, aos deuses,
ou que membros não se arrepiam, de pânico presos,
quando estremece o solo assolado por golpe de raio 1220
horripilante e estrondos tremendos percorrem o céu?
povos e gentes não tremem? e o regente orgulhoso não nota
os membros se arrepiarem tomados de medo aos deuses,
de que, por ato afrontoso ou dito soberbo, chegado
tenha o tempo infesto enfim do encargo das penas? 1225
quando a força suprema do vento violento marinho
varre as ondas levando com a esquadra o seu comandante,
junto com as legiões valorosas e os elefantes,
ele então não implora aos deuses por paz em sua prece,
apavorado, que o vento se aplaque e a brisa bafeje? 1230
(Tudo em vão, todavia; que amiúde da intensa voragem
aos turbilhões do extermínio ele é enfim arrastado em seguida.)
― A tal ponto ũa força oculta as coisas humanas extingue,
e aos feixes galantes, e aos feros machados; e as pisoteia
sem hesitação, e se apraz, além disso, em ludibriá-las. ― 1235
Quando, afinal, sob os pés todo o solo vacila e balança
e tombam cidades fendidas ou pairam em suspeita ameaça,
o que há de espantoso em que as estirpes mortais se humilhem
e forças potentes e imensos portentos então atribuam
à conta de deuses que todo o conjunto das coisas governem? 1240

Nenhum comentário:

Postar um comentário