Boas-vindas!

Bem-vindos ao blog PROJETO POETAS LATINOS!


Criado por nossa firma, Cyclicus Editorial, o PROJETO tem como objetivo inicial publicar, em volumes uniformes, as obras completas que nos chegaram dos poetas do período de maior efervescência da literatura latina clássica, isto é, os séculos I a.C. e I d.C., de Lucrécio a Juvenal. Dentro desse objetivo, lançamos o blog homônimo para podermos divulgar o PROJETO e manter o leitor a par das novidades.


Se é lícito defender o ineditismo e a relevância de nosso empreendimento, observaremos apenas que jamais algo parecido foi tentado na história editorial brasileira. Já se fizeram anteriormente, como todos sabemos, várias traduções de certos autores ou de obras específicas, em prosa ou em versos, seguindo os mais diversos critérios. No entanto, jamais testemunhamos uma iniciativa que colocasse todos esses nomes clássicos de uma das matrizes vitais de nossa cultura, e todo o seu espólio restante, ao alcance do leitor brasileiro, reunindo-os em uma coleção uniforme, com texto bilíngue, e empregando critérios definidos de tradução capazes de manter a fluência, a dinâmica e a expressividade métrico-rítmica dos versos originais.


Desde já, agradecemos a todos pelo interesse e apoio.


Acácio Luiz Santos.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Lucrécio e os deuses (1ª parte)


Lucrécio acreditava nos deuses? A julgar por seu magno poema, a resposta (surpreendente para um materialista) é sim. No entanto, a ideia que ele fazia dos deuses era bem diversa daquela em que os romanos acreditavam. Logo no início do Livro 1, lemos:

A natureza dos deuses inteira requer, por si mesma, 44
que seja fruída de vida imortal em suprema concórdia, 45
longe de nossos assuntos, de tais afastada e excluída;
e, isenta de dor por completo, e também de perigos isenta,
dona dos próprios recursos, de nós carecida em nada,
nem é cativa de dádivas, nem é tomada de ira. (I,44-49)

Além de afastados, indiferentes aos mortais e seus problemas, os deuses tão-pouco participam na criação e funcionamento desse nosso mundo. Com efeito, em várias partes do poema Lucrécio questiona qual seria a vantagem de os deuses abandonarem sua tranquilidade perpétua e virem a se ocupar das coisas de um mundo tão fugaz e frágil:

Caso tais coisas tu tenhas bem assimilado, a natura 1090
ora é vista liberta, dos donos soberbos deposta,
pois efetua suas obras por si mesma, imune aos deuses.
Ou, por acaso, aos peitos sagrados ― que calmos degustem
tranquilamente um plácido evo e uma vida serena! ―
cabe o cômputo imenso reger? a eles cabe com brando 1095
aperto manter em seu jugo as rédeas do vasto infinito? (II,1090-1096)

Além disso, sendo a natureza tão repleta de elementos hostis ao homem (doenças, feras, catástrofes, fome, definhamento, ódio, guerras e morte), ela é, conforme argumenta Lucrécio, uma obra indigna de seres perfeitos:

Mesmo que eu todavia ignorasse os princípios das coisas, 195
eu, não obstante, ousaria, pelas próprias regras celestes,
asseverar e mostrar, através de outras muitas causas,
que para nós, por decreto divino, não foi preparada
a natureza das coisas, de tantos defeitos provida! (V,195-199)

Indiferentes a nós, vivendo uma vida calma, sem aborrecimentos nem necessidades, completamente estranhos a mundos perecíveis e cheios de tristezas e perigos como o nosso, os deuses dispensam plenamente nossos, digamos, obséquios, que não têm serventia alguma para seres que não se desgastam, nem adoecem, nem envelhecem, tão-pouco morrem. Por isso, até mesmo imaginar que eles tivessem querido criar a natureza do mundo e cuidar dos homens como, digamos, bichinhos de estimação:

(..)
é desvario. E o que, aos imortais e beatos, o nosso 165
agradecimento pod’ria trazer-lhes de tão proveitoso,
que decidissem fazer algo apenas por nosso interesse?
e que novidade pod’ria incitar-lhes, após tanto tempo,
quietos, a avidamente alterar sua vida pregressa?
a novidade, com efeito, agrada a quem insídias sofria 170
em eras antigas; porém, a quem nunca algo amargo afligiu
anteriormente, enquanto ia usufruindo um evo agradável,
como pod’ria o amor pelo novo inflamá-lo a tal ponto? (V,165-173)

Mesmo assim, não desistimos! Se um bezerro imolado não deu resultado, continuamos abatendo outros, até ir-se embora em sangue o gado inteiro. Talvez os deuses queiram algo mais precioso de nós… Nesse caso, não hesitamos em tomar o parente de sangue mais próximo, e ele que aplaque deuses tão irados e exigentes! É assim que Agamêmnone oferece a própria filha, Ifigênia (ou Ifianassa, como Lucrécio a chama) em sacrifício a Diana para que sua armada pudesse partir sem percalços, em um dos trechos mais comoventes da obra:

Nesse momento, à mísera, não haveria proveito
se ela, chamando-o de pai, tivesse primeiro honrado
o rei; pois, erguida por homens, com trêmulas mãos às aras 95
era levada ― e não ao solene costume dos sacros,
que acompanhada de canto himeneu perfeito ela fosse,
pura, em tempo de núpcias ―; impuramente, no entanto,
triste oferta a imolar à grandeza do pai, era enviada
para morrer pela leda e auspiciosa partida da armada. 100
Tanto a religião persuadir assim pôde de males. (I,93-101)

O último verso do trecho acima sintetiza uma convicção e uma causa de Lucrécio: afirmar, por reflexão atenta, que ímpio não é demonstrar a não intervenção dos deuses no mundo; ímpio é, em verdade, cometer as mais terríveis atrocidades sob a justificativa de cultuar os deuses.

Na segunda parte de nossa postagem, procuraremos justamente investigar a resposta que nos oferece Lucrécio a essa questão: por que, ainda que inútil, o homem oferece os sacrifícios mais terríveis e cruéis aos deuses? Até a próxima postagem, e muito obrigado a todos por sua visita!

Acácio Luiz Santos.

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